Os fãs de José Saramago conhecem, certamente, “A Viagem do Elefante”, romance de 2008 que retrata a ida do paquiderme indiano Salomão, de Belém até à Áustria, como presente de casamento real. Mas, não é preciso ser leitor do Nobel da Literatura Português para apreciar o “Caminho de Salomão”, sobremesa icónica do Sauvage CCB.
Foi o que fizemos e só lamentamos que a sobremesa se sirva no fim, porque, a essa altura, já quase não havia apetite. Quase, porque, quando se é guloso, para os doces reserva-se sempre um espacinho. Não é nada por acaso que esta sobremesa é inspirada na escrita de Saramago. É que foi de Belém que o elefante partiu e é em Belém que este Sauvage convida a uma viagem pelos sabores portugueses,
É uma viagem conduzida pelo chef Ricardo Gonçalves, responsável pela abertura do primeiro Sauvage, no Campo Pequeno, e do quiosque Beca Beca, ao Parque Eduardo VII. Antes de chegar ao Centro Cultural de Belém passou pelo Vírgula, pela Bica do Sapato, e pelo Kanazawa. Como titular, esteve nas cozinhas do Esperança e da Enoteca de Belém.
Em conversa com o Farniente, conta que no Sauvage aplica duas filosofias diferentes. No do Campo Pequeno serve cozinha do mundo, num estilo de fusão, mas no CCB o seu foco é a gastronomia portuguesa contemporâneo, com produto nacional. A vontade é intencionalmente dar a conhecer o que é português, até porque Belém é um destino turístico por excelência.
Não obstante, não se rende aos modismos. Diz que o seu traço como cozinheiro é mesmo a comida de conforto. “Por mais voltas que dê”, está lá a influência da avó. Brinca que “é um cliché”, mas conta que era “uma cozinheira extraordinária” e recorda como moía especiarias no moinho que devia ser de café. Eram as suas origens indianas a falar mais alto.
No Sauvage, o que lhe dá mesmo prazer são pratos muito simples, mas completos, “no sentido de serem equilibrados”. E tem uma apetência especial por cozinhar peixe – bacalhau, atum são alguns dos que constam na carta.
A sua intenção é desenhar duas cartas por ano, sem prejuízo de riscar algum prato que não esteja a funcionar. As propostas iniciais têm sido bem acolhidas, com as escolhas dos clientes a serem muito equilibradas e não deixarem nenhum prazo para trás.
São 70 os lugares sentados numa sala ampla, luminosa, a que se juntam outros 30 numa esplanada que é, verdadeiramente, um rooftop virado para o Tejo. São muitos os turistas que procuram este Sauvage, o que se explica pela localização, mas, aos domingos, as famílias portuguesas tomam lugar.
Ricardo Gonçalves e a sua equipa trabalham com vista para a sala, numa cozinha aberta. “É bom sentirmos que fazemos parte de um todo”, comenta o chef, acrescentando que, deste modo, é possível sentir a vibração da sala.
Uma viagem Sauvage
Voltando a “A Viagem do Elefante” ou ao “Caminho de Salomão”, que paragens teve a experiência gastronómica no Sauvage CCB? Começou com croquetes de pato, servidos com compota de marmelo caramelizado e pickles de mostarda. Logo de seguida, Brás de Leitão, uma versão moderna do bacalhau com o mesmo nome: mudou a proteína, a batata palha manteve-se, na companhia de tapenade e gema bt. O bacalhau não esteve no brás, mas não faltou: serviu-se picadinho, com tinta de choco, alface do mar e ovas curadas.
Nos principais, Ricardo Gonçalves levou à mesa um prato que lhe dá muito gosto cozinhar: bochecha de vaca, estufada com cebolinha confitada, acompanhada por puré de batata aromatizado com queijo da ilha. Difícil foi resistir ao arroz de lavagante, com arroz carolino e algas, uma experiência pensada para ser partilhada.
Só depois chegou a hora de dar as boas-vindas ao Salomão, aqui sob a forma de bolacha, natas, doce de ovo, caramelo e suspiro. Pode dizer-se que, depois do desfile anterior, não havia necessidade, mas… havia. Um final feliz é o que se quer em qualquer viagem.