Trocou o Algarve por Lisboa, mais tarde Engenharia Informática pelo mundo vínico. E hoje, 15 anos depois dessa última mudança, dá formação e organiza um evento de referência na prova de vinhos. É assim Luís Gradíssimo, fundador do Enóphilo, um enófilo que olha para alguns vinhos como guardadores de emoções e que faz sua a missão de defender este setor. Impõe-se, pois, um brinde.
A colheita de 1979 [ano de nascimento] foi boa?
Nos vinhos, pelo menos nos nacionais, ainda não apanhei nada de excecional, mas enquanto há vida, há esperança…
E que características absorveu do terroir de Loulé?
São as minhas origens e tenho orgulho nisso, é a terra onde nasci e vivi até aos meus 19 anos. Loulé é uma pequena cidade, onde quase todos se conhecem, com o bom e o mau que isso pode trazer, mas há um sentido de comunidade (ou pelo menos, havia). Além disso, o Algarve tem uma pluralidade cultural que outras regiões talvez não tenham, reflexo do turismo que há muito o caracteriza, e penso que isso também me marcou. Mantenho lá raízes, alguns bons amigos e família.
Já o estágio em Lisboa, o que lhes acrescentou?
Vim para Lisboa em 98, para estudar Engenharia Informática. Além do ensino superior, Lisboa trouxe-me maturidade, deu-me acesso ao mercado de trabalho, onde acabei por ficar. Deu-me uma visão mais alargada que só uma grande cidade consegue, e deu-me uma nova casa e uma família, é a cidade onde vivo com a minha esposa e onde nasceram os meus dois filhos.
Da engenharia informática aos vinhos é um copo ou um barril?
Enquanto consultor de sistemas de informação, cheguei a um ponto da carreira em que já não havia grandes desafios do ponto de vista técnico, em que o trabalho diário era puramente rotineiro, e eu, embora das engenharias e em particular no desenvolvimento de sistemas, estava habituado a trabalhar sempre de forma estruturada, mas sentia necessidade de algo mais criativo. Nada como criar e manter um negócio próprio para fugir à rotina…

O que o apaixona nos vinhos?
Sobretudo a diversidade. É incrível como um simples sumo de uva fermentado pode ter tanto para nos dizer, do ponto de vista técnico, mas sobretudo do ponto de vista cultural, histórico. É algo que tem a capacidade de unir pessoas, de tornar especial um momento, de elevar uma refeição, de nos emocionar. Nem todos os vinhos são sublimes, mas muitos têm a capacidade de nos emocionar, diria mesmo que são arte em estado líquido, e não é necessário ser um especialista para que isso aconteça.
Até onde já o levou essa paixão?
Desde logo, a todas as regiões portuguesas, mas também já conto com algumas viagens pelo mundo. Espanha, França, Itália e EUA são países que já visitei especificamente para conhecer regiões vitivinícolas e para provar vinhos. Aliás, os vinhos são uma forma de viajar, e hoje, com a internet e com uma cada vez maior presença de vinhos internacionais em Portugal, é possível viajar através da prova, portanto, nem sempre podemos ir até ao destino, mas poderá vir um pouco do destino até nós. Mas as distâncias não são só geográficas, pois a minha paixão pelo vinho levou-me a mudar de carreira, a abandonar um emprego estável e bem remunerado pela incerteza de apostar num negócio próprio, de arriscar e de investir, para poder partilhar um pouco dessa mesma paixão com outros, daí o projeto Enóphilo, a realização de eventos e de formação, a escrita e publicação de livros e outros projetos que estão em desenvolvimento.
Tinto, branco ou rosé?
Falando da clássica dicotomia “branco ou tinto”, tenho a dizer que consumo mais branco do que tinto. O rosé, ao contrário do que muitos continuam a pensar, também é vinho e também pode ser um vinho muito sério e interessante. Qual o preferido? Depende da próxima refeição.
A casta de eleição e porquê
Não sou fundamentalista e gosto de manter um registo eclético e aprecio várias castas, aliás, é para mim uma das belezas do mundo do vinho, mas, se é para escolher uma, escolheria o Arinto. É uma casta que se adapta a diversos climas e solos, que é boa para lotes, mas que também produz grandes monocastas, com ou sem madeira, bons logo desde jovens e com um incrível potencial de envelhecimento. Repito, gosto de muitas outras, entre brancas e tintas, mas, pelas razões mencionadas, destaco esta.
Da enofilia à enologia – ter um vinho seu está no horizonte?
Se me perguntassem, há 15 anos, se estava no meu horizonte dar formação na área de vinhos, eu diria que não. Se me perguntassem, há 10 anos, se estava no meu horizonte organizar um evento de referência de prova de vinhos, eu diria que não. Se me perguntassem, há 5 anos, se estava no meu horizonte escrever um livro sobre enogastronomia, eu responderia que não. Isto para dizer que, se me pergunta agora se está no meu horizonte ter um vinho próprio, eu vou responder que não, mas não posso garantir que isso não venha a acontecer.
Quantos vinhos tem a sua garrafeira? É um colecionador ou guarda pelo prazer de abrir depois?
Não tenho o número exato presente, mas são algumas centenas. É uma garrafeira relativamente modesta, com um pouco de tudo, brancos, tintos e rosés, tranquilos, espumantes e fortificados, nacionais e internacionais. Procuro sobretudo diversidade para poder ter várias opções no momento de escolha. Não faço coleção no sentido de guardar apenas para ter. Para mim, o vinho é para se consumir, pelo que guardo sobretudo pelo prazer, para dar tempo aos vinhos para crescerem, para abrir uns anos mais tarde e poder ter boas surpresas.
O vinho mais desejado para essa garrafeira
Não me movo pelo rótulo em si, gosto de bons vinhos, vou guardando o que posso e acredito que tenha potencial de guarda e que possa vir a ganhar com essa mesma guarda, independentemente da popularidade do rótulo, do produtor ou da região. Claro que gosto de clássicos, mas também gosto da descoberta.
O que é que o vinho português tem…
Diversidade. Temos vinhos únicos, temos uma grande diversidade de castas, temos tradição, temos diferenciação. Qualidade. Claro que há bom e mau, como em qualquer outra região do mundo, mas há muito vinho com qualidade. História, muita, e isso também é importante no mundo do vinho.

O que diz o seu nariz?
Diz-me que temos de continuar a defender e a promover o setor do vinho. O vinho é uma bebida de eleição, mas é também uma bebida democrática, acessível a todas as carteiras e credos, para momentos solenes e também para os informais, para ser apreciada à refeição e fora dela, que pode ser muito sério e divertido ao mesmo tempo. Um brinde ao Vinho!
Fátima de Sousa