O pretexto era conhecer os Espera Wines, em mais uma edição dos Winemakers Dinners, do Bica San. E revelou-se uma noite de descoberta dos inesperados vinhos produzidos por Rodrigo Martins e da gastronomia de influência asiática de Bruno Antunes, o chef do restaurante do Independente Lisboa-Bica. Foi um casamento feliz.
Impõe-se uma nota prévia: o desconhecimento absoluto dos Espera Wines. Mas é o próprio produtor que desdramatiza: afinal, a primeira vindima é de 2014 e o primeiro vinho apenas foi colocado no mercado cinco anos depois. Assim se explica o nome escolhido. Porque foi, efetivamente, preciso esperar. E foi uma decisão consciente. Rodrigo Martins queria que os vinhos amadurecessem ao seu ritmo, sem pressas.
Rodrigo Martins e os Espera Wines
É em Alcobaça que esta maturação acontece. Numa adega que é um laboratório para as uvas que nascem nas duas parcelas de cinco hectares e que beneficiam da proximidade da Lagoa de Óbidos. Rodrigo não tem dúvidas de que assim é, de que os solos recebem essa herança.
O seu objetivo é fazer vinhos da forma mais natural possível. Formado em Agronomia e com um mestrado em Enologia, durante muitos anos foi consultor, mas, há dez, decidiu regressar à sua terra. Acompanhou-o a mulher, Ana, profissional de marketing digital. Os filhos já nasceram neste ambiente.
Esta experiência em marketing digital não será alheia ao facto de, com um primeiro vinho lançado em 2019 e a pandemia a eclodir escassos meses depois, ter sido através das redes sociais que os Espera Wines conheceram mundo. No final de 2020, exportavam para oito países, atualmente são 27, entre Canadá, Estados Unidos, Brasil, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e, também, Europa. No total, 85% da produção viaja além-fronteiras. E Lisboa absorve a maior parte do que fica.
São oito rótulos, num total de 40 mil garrafas saídas da colheita de 2023, um crescimento face às 32 mil da vindima do ano anterior. Diz Rodrigo Martins que o seu objetivo é fazer vinhos mais crus e mais orgânicos.
À prova no Bica-San estiveram o espumante Espera Método Ancestral 2022, um pet-nat Castelão; o Espera Branco 2022, Bical e Arinto; o Espera Rosé 2022, Touriga Nacional; o Espera Palheto 2022, um field blend; o Espera Nat Cool 2022, Castelão; e o Espera Tinto 2022, da mesma casta.
Bruno Antunes e o Bica San
Foi a pensar nestes vinhos que o chef Bruno Antunes desenhou o menu da noite. A base foi o menu habitual do restaurante, mas dois pratos foram criados especialmente: o arroz de cogumelos e o rosbife. Dois pratos intensos, a pedir um tinto. Já os outros acompanharam bem com as referências de branco e rosé, pela frescura e mineralidade.
Precisamente pela frescura evidenciou-se o Sakana do Dia – dourada curada com um toque de sal, apresentada num fino corte. Seguiu-se tofu braseado e recheado de couve flor à brás – apresentado como pequenas almofadas ao jeito de finger food. Já o mil-folhas de batata e nori, sésamo e cebolinho conquistou pela textura crocante.
Chegaram, depois, as estrelas da noite, por assim dizer: o arroz cremoso de shiitake, cogumelo ostra grelhado e cebolinho; e o rosbife fumado, molho de gengibre e sésamo. Nas sobremesas, dois gelados: mais consensual o de miso e canela e mais desafiante o de nori.
Desconstruindo o menu, explica Bruno Antunes que o seu propósito primeiro é dar sabor aos pratos, num conceito em que os sabores são portugueses e os produtos asiáticos. Afinal, o Bica San inspira-se no formato “izakaya”, como se fosse um bar. Não há balcão, mas a ligação entre a cozinha e a sala de refeição faz-se através do design que evoca uma casa japonesa.
E esta ligação entre Portugal e o Japão está presente logo no nome do restaurante: Bica San propõe-se contar a viagem imaginária de um “gajo (san) da Bica” rumo ao país do sol nascente.