“Encontrei ali os meus companheiros, era tarde, fomos ficar fora da vila à hospedeira Casa do Sr. Luís Sampayo. Rimos e folgamos até alta noite: o resto dormimos a sono solto.” Assim escreveu Almeida Garrett, em “Viagens na Minha Terra”, uma memória que está hoje patente na Quinta do Sampayo, em Vale da Pinta, Cartaxo, recebendo quem ali chega para descobrir como este produtor se reinventou.
É Ana Macedo, filha de José Macedo, o ideólogo original deste projeto vitivinícola, quem guia a visita, com uma paragem inevitável na história. O “era uma vez” não começa nas viagens de Garrett, mas nas do pai, que se “encantou de amores” pela Quinta da Caneira, que comprou, mas que considerou exígua para a sua ambição: ao fundo, ficava a Quinta do Sampayo, que se decidiu a adquirir igualmente, bem como as parcelas de permeio.
“O sonho era produzir um vinho de excelência que fosse reconhecido em todo o mundo, não só em Portugal”, conta. Um sonho que o levou a plantar uma grande variedade de castas, com um número muito vasto de referências, até que, em 2013, a dificuldade em escoar o vinho levou a “uma decisão difícil” – parar a produção por completo e vender apenas uva.
Quase dez anos depois, escrevia-se novo episódio nesta história, quando Ana Macedo e o marido – advogados de profissão – assumem os destinos da quinta. O primeiro “grande passo” foi encontrar o enólogo, com a escolha a recair em Marco Crespo. Juntou-se-lhe, como viticultor, Alberto Miranda e são eles os obreiros de uma estratégia que definem como RIR – Renovar, inovar e rejuvenescer.
Nos 55 hectares da Quinta do Sampayo, Ana Macedo quer honrar a visão do pai, incutindo-lhe o seu cunho pessoal. Mas o fio condutor permanece – produzir vinhos de qualidade.
O enólogo acredita nesta estratégia, afirmando: “O potencial é enorme, a vontade também”. Mas, não deixa de sublinhar que “as uvas mandam mais”, para lembrar que há variáveis que não se controlam, como as meteorológicas. O terreno também tem a sua influência: o viticultor lembra que a quinta apresenta um relevo relativamente acentuado, que influencia o ritmo de maturação das uvas nas diferentes altitudes. E há que contar com as particularidades do solo – argilo-limoso, o que significa que ensopa no inverno e seca no verão, o que o torna difícil de trabalhar. No fundo, a grande questão a que ambos procuram responder é “como gerir uma vinha que esteve dez anos a viver por si própria, como recuperá-la e pô-la a produzir”.
Os resultados estão engarrafados: a primeira colheita, de 2023, assume a liquidez de um branco com as castas Fernão Pires e Arinto, e de um tinto com Syrah, Castelão e Touriga Nacional. A colheita de 2024 ainda é – ou era, no dia da visita – uma incógnita, mas a equipa tem planos para surpreender. Desses planos faz parte a plantação de uma parcela com Encruzado, pensada para trazer diferenciação aos vinhos da Quinta do Sampayo.
Com assinatura da jovem designer Carolina Miranda, os rótulos destes vinhos de estreia estão cheios de simbolismo: representam as curvas de nível da quinta, ao mesmo tempo que remetem para as viagens de Almeida Garrett, mas também evocam as linhas das impressões digitais, numa homenagem a José Macedo.
“Estamos no início de uma caminhada”, sintetiza o enólogo. Uma caminhada em que – acrescenta o responsável pela viticultura – o foco é ser “pouco alquimistas na adega e muito naturalistas na vinha”.
O que diria Almeida Garrett se as suas viagens o levassem de regresso à quinta?