É verdade que os olhos também comem e que, antes do sabor e da textura, o que nos faz salivar é a dança dos alimentos no prato – o desenho, as cores… E se lhe juntássemos como primeira grande impressão o sorriso caloroso de quem nos recebe? Foi assim no Aires, o restaurante do Monte Estoril que serve “autêntica paixão argentina”.
Aconteceu um destes sábados ao jantar. A simpatia da equipa – liderada por Gabriela Balbi -não deixou dúvidas sobre o convite a entrar neste espaço que recria um café da Buenos Aires dos anos 20. A sala estava praticamente cheia, com as mesas ocupadas sobretudo por turistas. Ainda assim, foi possível descobrir um ambiente que combina a sofisticação com a descontração, deixando imaginar que, além de uma boa refeição, ali também se pudesse dar uns passos de tango. O chão com o seu xadez típico e os arcos representativos da arquitetura colonial podiam pertencer perfeitamente a um restaurante da capital argentina. O azul forte das paredes e alguns cobres completam o cenário.
O mobiliário foi produzido, à medida, por artesãos, os pratos são igualmente artesanais e cozidos em forno de barro e as facas inspiram-se na tradição gaúcha, com o seu cabo em madeira e osso arrematado, na base, com um peso argentino comprimido. A loiça onde é servida a carne grelhada é fabricada em ferro fundido.
Só não se está na Argentina geograficamente, porque, no Aires, os fundadores são argentinos e todos os colaboradores também. E a cozinha e a garrafeira falam a mesma língua.
Neste restaurante, dizem os seus edeólogos, só entram os melhores cortes, de animais criados em pasto. Mas, o que vai à mesa está longe de se esgotar no típico asado. Há pratos de tradução andina, gaúcha e patagónica interpretados pela chef Marianela Ramadan.
Esta incursão pela gastronomia sul-americana começa com um couvert regional, composto por chips de pão caseiro e tortilha andina grelhada, maionese de aipo e paté de beringela e tomate. Um bom preâmbulo para o “duo de empanadas salteñas” – uma na versão clássica e a charqui gaúcho – e para o “chorizo criollo”. Foi o que provámos, mas há mais por onde escolher: a “provoleta Aires” (queijo provolone, rúcula, tomate confitado, flocos de presunto, redução de Coca-Cola e Fernet Branca), os “melhallones de morcilla (medalhões de morcela com massa folhada, gotas de azeite verde, cebola caramelizada e chuva de praliné de nozes), entre outras entradas.
Mas, havia que refrear a tentação, porquanto estavam para chegar os principais. E, claro, não podia faltar um corte de carne argentina em forno Josper: o wagyu estava no ponto, tenro e suculento, quase a dispensar os acompanhamentos, mas os “vegetables asados a fuego vivo” (tomate, cebola, pimentos, alho, cenoura, batata doce e beringela) chamaram a atenção. Igualmente apelativos os “champiñones a la Patagonia (cogumelos perfumados com azeite de alho e redução de frutos vermelhos).
E o que dizer das “costeletas patagónicas de dupla cozedura em Malbec”? Este é um dos pratos de assinatura do Aires, pelo que esta experiência não estaria completa sem prová-lo. São primeiro braseadas, depois amaciadas por seis horas em vinho e finalizadas no Josper, acompanhadas de legumes grelhados e pão de beterraba tostado. Há outros pratos exclusivos, como a “milaneza Aires”, mas o jantar já estava a entrar na fase da gula, aquela fase em que só não se rejeita a sobremesa. Ou melhor, as sobremesas: primeiro, “ananas al almbec”, que é como quem diz fatias de ananás cozinhadas em vinho, cravinho e gotas d elaranja, companhadas de gelado e hortelã em pó; depois, “panqueques de dulce de leche”, com as panquecas servidas com uma bola de gelado de nata e migalhas de Mantecol.
Da cozinha para a garrafeira, é preciso dizer que este jantar foi acompanhado por vinhos argentinos – afinal, este país é o quinto maior produtor mundial. E a adega do Aires faz-lhe tributo, com uma seleção de referências do norte do país (regiões de Jujuy, Salta, Tucumán e Catamarca) e de Cuyo (regiões de La Rioja, San Juan e Mendoza). Ao copo chegou-nos um Piattelli Chardonnay, para as entradas, e um Piattelli Malbec, para os pratos mais intensos.
Sempre ao som de uma seleção de tangos, sem que a música se sobrepusesse ao convívio gastronómico de cada mesa. É caso para dizer: buenos aires te vejam e te provem. Hasta pronto!
Fátima de Sousa