Raquel Lima podia ser contadora de histórias. Formou-se engenheira florestal, mas fez-se chocolateira. E nos bombons da sua Pedaços de Cacau cabem muitas histórias. A começar pelas que alimentaram a sua paixão pelo chocolate. E as de quem oferece e de quem recebe as suas criações. E, de certa forma, são estórias as que partilha nesta entrevista de deixar água na boca.
De engenheira florestal a chocolateira: há um mundo de distância ou foi já ali?
Os mundos sempre estiveram interligados e assim se mantêm, apesar de já não exercer a atividade de engenheira florestal. Desde os meus seis anos, idade em que me tornei escuteira, que sou fascinada pela natureza e sempre pensei que, um dia, o meu trabalho seria estudá-la e estar sempre rodeada por ela.
Já a paixão pelo chocolate, foi-me incutida ainda mais cedo, através dos meus tios que residiam em França e que traziam novos chocolates para provar sempre que vinham a Portugal. A minha família ainda tentava escondê-los, para evitar que fossem devorados de uma só vez, mas eu e a minha prima arranjávamos sempre forma de os encontrar.
Foi nessa altura que comecei a gostar de chocolate e essa paixão foi crescendo ao longo dos anos, especialmente quando comecei a ir a degustações e a perceber a versatilidade daqueles pedaços de cacau.
Houve um Natal em que decidi experimentar fazê-los, para oferecer a amigos, e, desde aí, nunca mais parei. De formações a fundar a minha própria empresa, a paixão pelo chocolate revelou-se rapidamente mais do que um hobby, obrigando-me a tomar a decisão de deixar o meu emprego como engenheira florestal e a dedicar-me a 100% à Pedaços de Cacau.
Apesar de essa decisão já ter quase dez anos, sinto que eu e a engenharia florestal continuamos bastante próximas, pelo contacto diário que tenho com a natureza e pela forma como ela me ajuda a levar um melhor produto aos clientes e amigos da Pedaços de Cacau. Os nossos chocolates, além de serem 100% artesanais, são feitos com produtos naturais e de alta qualidade.
A paixão pelo cacau é inata ou adquire-se?
A minha foi inata, ahahah. Não me lembro de alguma vez ter recusado um pedaço de chocolate em toda a minha vida, por isso diria que sempre adorei. Mas também fui habituada a comer chocolate de alta qualidade, que os meus tios de França traziam nas férias e quando nos vinham visitar.
Mas, apesar de achar que o chocolate é dos melhores sabores do mundo, não deixa de ser algo que está sujeito ao gosto de cada um. Há quem adore todos os tipos de chocolate, há quem dispense chocolate negro e depois há quem apenas tolere comer chocolate.
Acho, contudo, que as degustações são uma ótima ferramenta para introduzir o chocolate a quem não é fã, abrindo os horizontes para novos sabores e combinações pouco imagináveis, como chocolate e cerveja, por exemplo. No caso dos que já são fãs de chocolate, têm a oportunidade de provar várias combinações e de se deixarem surpreender. Nos nossos eventos “Pedaços & Sentidos” há sempre alguém que nos diz algo como “eu nem gosto de laranja no chocolate, mas adorei este bombom”. E adoro isso, quando nos damos a oportunidade de conhecer algo novo e quebrar barreiras.
Que histórias cabem num pedaço de cacau?
Todas as que quisermos contar. Nos pedaços de cacau que os meus tios de França me traziam quando vinham a Portugal, cabiam todas as nossas memórias juntos e o sentimento de saudade de vivermos longe de quem mais gostamos. Nos primeiros pedaços de cacau que fiz, naquele Natal de 2012, cabia o desejo de partilhar algo que era muito importante para mim com os meus amigos e família.
Já nos chocolates que produzimos atualmente na Pedaços de Cacau, cabe tudo isto, todas estas histórias que compõem a minha ligação com o chocolate, e um extenso percurso profissional com muitas aprendizagens (e alguns erros também) para levar o melhor aos nossos clientes e amigos. E, além de tudo isto, cabem as restantes histórias de quem oferece e de quem recebe um dos nossos produtos!

A primeira memória do sabor a chocolate
A minha maior memória do chocolate são as vindas dos meus tios de França a Portugal, que eram sempre marcadas por novos chocolates para provar. Lembro-me bem de a minha família tentar escondê-los, para impedir (sem sucesso) que os chocolates fossem comidos de uma só vez. Seguiam-se os vários planos que eu e a minha prima magicávamos nas nossas cabeças, para arranjarmos forma de os roubar sem sermos apanhadas.
A minha primeira memória do chocolate não se deve necessariamente ao seu sabor – apesar de que, se não fosse bom, os esforços para o roubar não seriam tão grandes –, mas sim à experiência de o comer. Do sorriso que fazíamos quando os meus tios estendiam os chocolates e das gargalhadas que dávamos a pensar no nosso plano “maquiavélico” para os devorarmos.
Chocolate sabe melhor com…
Amigos! A partilha faz parte da magia, aliás o primeiro nome da marca era “Pedaços de Cacau para Amigos”.
Mas, acredito que, desde que saibamos conjugar o chocolate certo com o produto certo (uma bebida, por exemplo), conseguimos harmonizar e surpreender. Todos os meses, fazemos um evento de degustação e harmonização gratuito, chamado “Pedaços & Sentidos”, em que ligamos o chocolate a produtos que muitos pensam não fazer sentido até provarem. Desde cerveja a kombuchas e até queijos, há várias combinações que se podem fazer com o chocolate, se soubermos como conjugar as características de cada um.
Para mim, qualquer combinação que me surpreenda e que me permita descobrir novos sabores e novas formas de fazer o chocolate brilhar é sempre a minha favorita.
A gula é um pecado ou nem por isso?
Teria de dizer que não, porque como chocolate todos os dias, ahahah. Mas, no caso do chocolate negro, há vários estudos que provam que comê-lo vai muito além da gula. Ao nível do cérebro, por exemplo, tem o poder de melhorar a função cognitiva e melhorar o humor. Para as crianças, também não faltam benefícios, desde o fornecimento de energia e nutrientes ao efeito estimulante. Isto claro, sempre com moderação.
É preciso ser-se (muito gulosa) para abrir uma fábrica de chocolates?
Nunca escondi que sou uma gulosa de nascença. Aliás, quando, em 2012, resolvi fazer chocolates para oferecer no Natal, guardei alguns para mim para comer mais tarde. Contudo, passado algum tempo, os chocolates começaram a ficar com um tom esbranquiçado e isso deixou-me intrigada. Resolvi inscrever-me num workshop especializado para perceber o que tinha corrido mal e, a partir daí, nunca mais parei.
Fui sempre fazendo várias formações, para aprender mais sobre a produção de chocolate artesanal e sobre a criação de um produto não apenas visivelmente apetecível, mas também com uma elevada qualidade. Enquanto isto, ia vendendo alguns chocolates a amigos, a amigos de amigos e até além-fronteiras, tendo uma amiga minha surpreendido os familiares parisienses com uma caixa dos meus bombons.
Nessa altura, nem imaginava que nome dar ao meu negócio, pois mal sabia que um dia viria a ser a minha principal ocupação. Foi num jantar com seis amigos que surgiu o nome “Pedaços de Cacau para amigos”, que, mais tarde, ficou como é hoje.
Dez anos depois, percebo que não foi apenas a minha determinação e a minha vontade de inovar e de marcar pela diferença que me trouxe até aqui, como também o facto de ser uma gulosa nata, e estou muito agradecida por isso.
Com recheio ou puro?
Ambos! Perguntar-me sobre qual chocolate prefiro é quase como perguntar-me qual das minhas filhas gosto mais. Não dá para responder!
O meu amor por chocolate divide-se igualmente por todas as suas formas, gostando de aprender sobre todos os seus feitios e procurando sempre inovar para trazer os produtos mais diferenciados do mercado. Foi assim que surgiu o bombom de manjerico, cujo recheio é feito com a planta mais adorada dos Santos Populares.

O bombom preferido do portefólio da Pedaços?
Por mais que tente, não consigo escolher um. Aliás, foi para os indecisos (ou gulosos) como eu que criei as caixas de bombons, que permitem escolher várias unidades com recheios diferentes, desde laranja, limão, frutos silvestres, cacau crocante, creme de avelã e caramelo.
Mas, há um bombom que tem um lugar especial no meu coração e não pelo seu sabor, mas pelo que representa: o bombom de manjerico, por toda a história da sua criação. Estes bombons surgiram de uma troca de conhecimento com o chef Jorge Cordeiro, que resultou num produto irreverente, único no mercado e que é uma ótima representação do nosso país e foi o primeiro bombom que criei depois de me despedir. Por isso, este bombom representa a minha liberdade e a minha nova vida a seguir o meu sonho, a minha paixão.
O culminar de tudo isto foi a premiação pelo Great Taste Portugal, que mostrou que todo o nosso trabalho tinha compensado.
O sabor mais estranho que já provou?
Essa é fácil, foi uma sobremesa com gelado de caril verde! Despertou a minha curiosidade por ser tão inesperado: o sabor forte de um prato principal numa sobremesa. O caril é um sabor, por norma, servido quente, por isso todos estes contrastes criaram uma excelente experiência, o caril verde não se espera doce, nem frio e ao mesmo tempo, não esperava um gelado picante. Foi muito interessante!
A floresta cabe num bombom?
Se, num bombom, cabem várias histórias, então a floresta é uma delas. Aliás, é a minha história e a que resume uma das minhas grandes paixões, que continua a estar muito presente na minha vida. A minha procura por garantir que os chocolates continuam a ser naturais e feitos com produtos de alta qualidade mantém vivo o meu amor pela floresta e a ambição da Raquel de seis anos que sonhou em passar a vida inteira rodeada pela natureza. Por isso, sim, a floresta cabe num bombom, numa tablete, num crocante e até no nosso Bolo Exótico, feito com os excedentes de produção, para evitar desperdícios.
Até onde já foi para comer um bombom?
O sítio mais longe a que fui para comer um bombom talvez tenha sido Nova Iorque. Queria muito ir a uma chocolataria gourmet que conhecia à distância e não desiludiu! Comi uns chocolates divinais de amendoim.
E a imaginação para transformar pedaços de cacau?
A imaginação é inesgotável! Entre mim, a minha equipa e tudo aquilo que estudamos, temos inspiração para anos de novos lançamentos.
O processo de criação leva-nos muitas vezes até ideias que, inicialmente, parecem descabidas, mas que acabam por gerar resultados surpreendentes e de grande sucesso. E tenho a sorte de ter uma equipa criativa e que acompanha bem esta tradição de inovar que temos na marca. Gostamos de surpreender e isso alimenta a nossa imaginação e dá-nos coragem de arriscar.
Fátima de Sousa