Silêncio, que se vai cantar o fado! Esta é uma expressão que associamos às casas típicas em que se entoa a canção de Lisboa, mas que ganha uma dose extra de intimidade quando o cenário é um convento do século XVII.
Mal se entra no histórico Convento das Bernardas, sente-se o ambiente de recolhimento. Não é difícil imaginar que as paredes de pedra e o teto abobadado acolheram ordens religiosas no seu passado mais longínquo. Ocupações várias se sucederam no tempo, com o resgaste a algum abandono a ser conseguido com a instalação do Museu da Marioneta e do restaurante A Travessa.
Fundado no final dos anos 1970 na Travessa dos Inglesinhos, este clássico lisboeta com sabor a França fez do convento a sua casa a partir de 2003. Aposentou-se muito recentemente, mas o seu legado permanece: o chef João Oliveira dá continuidade às propostas gastronómicas originais, combinando-as com o terroir português e o seu cunho pessoal.
É o Reia Collective que protagoniza esta nova vida do convento. Ou melhor, No Convento, como foi rebatizado. E, no convento, ouve-se fado. Com a voz e as guitarras a soarem num cenário teatral, marcado pelas muitas velas que projetam a sua luz sobre a pedra centenária.


A intervenção foi mínima. Assinada por Juliana Cavalcanti, manteve a intemporalidade do espaço, privilegiando materiais como o metal fundido, a madeira e o veludo, que convivem com uma paleta cromática de pigmentos mais escuros. A austeridade e o conforto vivem, pois, paredes meias.
E foi neste ambiente que, numa destas noites, se fez silêncio para ouvir Daniela Gibblot ao som das guitarras de Manuel Ferreira e Tiago Valentim.
Antes, porém, um cocktail assinado pelo bartender Maurício Leal: um Side Car que mistura aguardente vínica, licor de laranja, limão e ar de licor Beirão.

Um começo promissor para uma refeição que traria à mesa ostras do Sado, com chalotas, vinagrete de cidra de maçã vermelha e maçã verde; vieiras St. Jacques seladas com molho de coral e açafrão e pérolas de lima, servidas na concha; e foie gras “mi-cuit” (semi cozinhado e processado a uma temperatura de 70 graus) com peras cozidas em vinho tinto, legumes da época em picle, manteiga de pera e brioche tostado.
Para principal, corvina com um arroz de tomate assado capaz de fazer inveja ao risotto. E, para fechar com chave de ouro e fazer a vontade à gulodice, uma mousse de chocolate amargo com laranja, casca de laranja cristalizada, e texturas de praliné de pinhões.



No copo, a frescura e acidez de Mar do Inferno, um 100% Arinto de Bucelas.
De volta aos sabores e às texturas, alimentam-se muito da inspiração francesa que é, aliás, a base da formação do chef João Oliveira. O que faz é adaptar ao gosto português, mas com um cunho muito próprio: é que – partilha – prefere comida condimentada e, por conseguinte, gosta de trabalhar com sabores fortes.
São sabores que vai buscar, preferencialmente, a produtos portugueses. Os queijos são provenientes da zona da Arrábida, a pera chega da região oeste, alguma da carne viaja dos Açores, do Alentejo sai a trufa e o peixe é da costa nacional. Já o foie gras é uma exceção: é francês.
A carta é intencionalmente pequena, podendo ser salpicada, episodicamente, por um prato especial, como se fosse o prato do dia – assim é, por exemplo, na época dos cogumelos ou se lhe propõem um peixe fora de série. Peixe é, mesmo, o que mais prazer lhe dá cozinhar, pela delicadeza. Pela corvina que provamos percebe-se bem.
Fátima de Sousa
Fotos | Henrique Isidoro