Foi no início de 2023 que o peruano Julio Ferradas trocou Madrid pelo Algarve, como chef executivo do primeiro hotel da cadeia W em Portugal. Para encontrar uma culinária que – diz – tem tudo a ver com a beleza das coisas simples. E, a propósito de beleza, os olhos também comem? A resposta é só o princípio de uma conversa com este cozinheiro que poderia falar de comida o dia todo.
Os olhos também comem?
Claro que, hoje em dia, no que diz respeito à comida, o primeiro contacto com o prato é através do olhar. A apresentação é uma das coisas mais importantes e não é apenas a comida ou o prato, envolve todo o conceito do restaurante, a decoração, o próprio prato, os uniformes do pessoal… Todos estes detalhes comunicam onde se está e o que se pode esperar de um restaurante e dos seus sabores.
O que lhe chama primeiro a atenção num prato?
Esta é uma pergunta complexa, há tantas coisas que procuro e vejo num prato. Desde uma apresentação limpa, às suas cores, ao sentido de pertença ou à identificação ao restaurante, tudo fala sobre o prato.
O que vem primeiro: a aparência ou o sabor?
Bem, a aparência está em primeiro lugar, uma vez que vemos a comida antes de a provarmos, mas ambos os pontos têm de estar ligados. Se virmos um prato com uma apresentação fantástica, mas sem sabor, é uma desilusão. Isto também funciona ao contrário: se recebermos um prato com um sabor fantástico mas não tão bonito, não o apreciamos tanto como se a aparência fosse melhor. Hoje em dia, comer tornou-se uma experiência que envolve todos os sentidos: o que se vê, o que se sente, o que se prova e o que a comida nos traz à mente.
Há alguns anos, antes de vir para o Algarve, lançamos um menu num dos hotéis onde trabalhei anteriormente e a ideia era transportar a comida caseira para um hotel de luxo. Criamos o menu inspirado nos pratos que cada elemento da equipa gostava de comer em sua casa. Sempre que um hóspede contava que lhe tínhamos recordado os seus sabores de infância, percebíamos que tínhamos feito um um ótimo trabalho.
Um chef é um artista?
Sim, é um artista, mas não só. Também é parte psicólogo, antropólogo, engenheiro, químico e tantas outras coisas. Todos estes lados ajudam a compreender os clientes, o que precisam e o que querem. Num hotel, é preciso oferecer um pouco de tudo, pois há todo o tipo de hóspedes à procura de experiências diferentes.
A parte mais gratificante de ser um chefe de cozinha é o facto de ter uma recompensa imediata pelo meu trabalho: assim que os meus hóspedes provam a comida, vemos logo se eles gostaram ou não. A capacidade de fazer as pessoas felizes é o melhor que podemos receber em troca.
O que o inspira quando cria um prato?
Aqui tenho dois caminhos diferentes que percorro quando desenvolvo um menu. Em primeiro lugar, como chefe num hotel, o meu foco é a satisfação dos hóspedes e não o meu “ego”. Por isso, tenho de estar à altura das expectativas e pensar em formas de lhes dar a conhecer ingredientes e sabores locais para mostrar as particularidades do hotel e da sua região. Depois, penso no que quero partilhar com eles. Aqui entra um pouco do meu passado, as minhas influências latino-americanas/peruanas. Tento contar-lhes a minha história, como cheguei aqui, o que gosto e o que me agrada. Tento relacionar-me com os meus convidados de uma forma mais pessoal.
O que mais gosta de cozinhar?
Tenho a sorte de cozinhar para ganhar a vida e sinto que podia falar de comida o dia todo! No trabalho, não tenho nenhum prato específico, concentro-me mais nas técnicas para fazer tudo corretamente, respeitar os ingredientes e tirar o máximo partido deles. Além disso, adoro estar alinhado com a minha equipa e divertir-me, porque isso é tudo uma questão de desfrutar do que se está a fazer.
A nível pessoal, não sou complicado! Gosto de comida caseira simples, uma boa paella (estudei e vivi em Valência), ceviche, tacos e a comida da minha mãe (sempre que me visita, faço-a trabalhar muito!).
E de comer?
Gosto de toda a comida! Adoro ir a restaurantes requintados e aprecio todo o trabalho que cada prato exige, mas também gosto de restaurantes locais com sabores autênticos. Tenho de admitir que a comida de fast food ou de food trucks também é fantástica, às vezes só precisamos de um hambúrguer suculento com batatas fritas. Cada comida tem uma história por trás que está à espera de ser partilhada.
O que o define como chef?
Para mim, os aspetos mais importantes são: concentrar-me no produto; consistência; ser melhor do que ontem; dar o exemplo; e preocupar-me com as pessoas.
O que traz das suas viagens e experiências internacionais para o W Algarve?
Tive a sorte de poder viajar muito e em cada lugar que visitei tentei aprender com a cultura e conhecer ingredientes e técnicas. Todo este background reflete-se na minha comida e no que ofereço aos hóspedes.
Se tivesse de representar o Algarve num prato, como seria?
A culinária algarvia, do meu ponto de vista, tem tudo a ver com a beleza das coisas simples. Peixes e mariscos fantásticos, produtos coloridos, etc.. Imagino uma mistura entre o generoso Atlântico e as montanhas de Monchique. Eu grelharia no carvão um belo camarão, com uma manteiga de coentros, raspa de laranja e um puré de cenoura caramelizada com gotas de azeite.
Fátima de Sousa