O que acontece quando as chefs Ana Moura e Annakaren Fuentes se juntam na cozinha do Lamelas, em Porto Covo? Um dueto gastronómico que celebra os sabores do Alentejo Litoral, com o peixe e o marisco presentes nos vários momentos. Mas, o duo transforma-se em trio, quando chegam à mesa os vinhos da Herdade do Cebolal, selecionados pelo produtor Luís Capitão.
Assim foi a 1 de novembro, com casa cheia para receber o segundo jantar dos Duetos de Outono, uma iniciativa da chef residente, Ana Moura, alimentada pelo intuito de reativar Porto Covo na época baixa, mostrando que há boas razões para ali voltar quando os dias de praia chegam ao fim.
Foi em 2023 que a cozinha se entregou aos primeiros duetos, nesse ano de estreia com o convite endereçado a chefs mais próximos de Ana Moura, aqueles que estão no patamar da amizade. Este ano, os cinco jantares são protagonizados por mulheres – dois já aconteceram, três estão a caminho. Ao Farniente, a chef explicou que não escolheu mulheres apenas por serem mulheres, escolheu mulheres com as quais tem muita afinidade, cujo trabalho respeita. “Só convido pessoas a cujos restaurantes já fui”, comenta, afirmando que, muito rapidamente, chegou aos cinco nomes que compõem os duetos de 2024. “Fico muito feliz por haver tantas mulheres que possa convidar”, partilha.
Estes são momentos diferentes no Lamelas, na medida em que, por via de um menu único e da dinâmica proporcionada pelas chefs e pelo produtor vinícola, o diálogo acontece facilmente entre mesas.
O peixe e o marisco foram senhores neste menu a quatro mãos, com cada prato trabalhado por ambas as chefs, não havendo, pois, uma autoria exclusiva: “Os estilos são diferentes, mas houve uma conversa, fomos falando sobre os pratos e chegámos a um consenso. O menu é muito equilibrado, não é de uma nem de outra, mas há inputs das duas que foram acrescentados aos pratos”, conta Ana Moura.
A chef convidada, Annakaren Fuenes, do restaurante O Pastus, em Paço de Arcos, corrobora esta cocriação, mas dá conta de que os seus sabores denotam as memórias de dois mundos: o México, onde nasceu, e Portugal, onde cresceu e vive.
Foi com um “25 Horas” que os convivas foram recebidos no Lamelas. Um Sauvignon Blanc com uma história contada por Luís Capitão: “Para mim, 24 horas não são suficientes, precisamos de, pelo menos, mais uma para todos os compromissos, sobretudo com os amigos, porque a nível profissional sou cumpridor, mas, com eles, sou um pouco mais desleixado”.
Os amigos agradecem, certamente, o vinho, cuja frescura abriu bem este jantar numa noite amena apesar da proximidade do mar. Acompanhou o couvert, em que pontua o único sabor do interior alentejano neste menu – uma manteiga de cor e toucinho em jeito de torresmos. Com pão, claro. Uma intensidade inicial logo cortada pela suavidade da empanada de camarão.
O marisco continuou na mesa, agora sob a forma de um Paris-brest e sapateira, após o que foram servidas cochocas de peixe, isto é, bochechas. Galo, fígados e escabeche foi o prato seguinte, um trio acompanhado pelo Sauvignon Blanc, mas com o desafio de o harmonizar também com Herdade do Cebolal Orange, um branco macerado que, segundo o produtor de Santiago do Cacém, foi pensado como um tinto.
Este orange wine continuou no copo para casar com a caldeirada de raia, a cortar bem a gordura do peixe. Foi uma antecâmara para o prato e o vinho mais intensos da noite: arroz de língua e linguado, harmonizado com Caios 2013 branco, um vinho que é uma homenagem ao trisavô de Luís Capitão. O primeiro foi lançado em 2018, sendo que estagia cinco anos em barrica e seis em garrafa. Um final feliz para este dueto.
Sem contar com a sobremesa – creme inglês de cardamomo, ganache e cacau, servido com um vinho da Madeira Barbeito.
Feita esta exceção vínica, o produtor da Herdade do Cebolal e a chef do Lamelas estão irmanados numa mesma missão: promover o Alentejo litoral. “As pessoas não conhecem a cozinha do Alentejo litoral, que é mais ligeira do que a do interior e mais à base de peixe”, sublinha Ana Moura. Daí que 90% dos seus pratos sejam de peixe e/ou marisco.
Mas, com valor acrescentado face à oferta de Porto Covo: “Quando decidi abrir o restaurante, questionaram-me porque é que não tinha peixe grelhado na ementa. Mas, para comerem peixe grelhado, as pessoas têm mais restaurantes. O que eu quis foi fazer diferente, não apenas por ser diferente, mas para acrescentar valor ao todo.”
É assim desde há três anos e meio, com um balanço positivo e mantendo o propósito de dinamizar a economia local, de mostrar que vale a pena ir a Porto Covo todo o ano.
Fátima de Sousa